TOMISLAV R. FEMENICK –
HISTORIADOR, MEMBRO DA DIRETORIA DO IHGRN.
O PADRE MOTA EM REUNIÃO COM LIDERANÇAS
POLÍTICA DE MOSSORÓ. O RELIGIOSO FOI PREFEITO DA CIDADE POR NOVO ANOS E NOVE
MESES
Luiz Ferreira da
Cunha Motta nasceu em Mossoró no final da última década do século XIX. Estudou
em sua cidade, em Natal, Recife, João Pessoa e Roma, onde se ordenou Padre em
1922, às vésperas de completar 25 anos de idade. Sua tese em teologia,
apresentada à Pontifícia Universidade Gregoriana, obteve a classificação
de “bone probatus”; aprovada com
excelência.
Regressou à sua
cidade no dia 21.10.1922. Segundo reportagem do jornal “O Nordeste”, o novo sacerdote foi recebido na Estação da Estrada de Ferro pelo
Padre Manuel Gadelha, Vigário da Paróquia de Santa Luzia, seus familiares e
pelo povo, que compunha uma enorme multidão. Formou-se, então, um extenso
cortejo em direção à Matriz. Soltaram foguetes e a banda do Grêmio Musical
tocava músicas sacras e alegres. No altar-mor da igreja de Santa Luzia, o Padre
orou demoradamente ao som de “Sacerdos
Magnus” e palmas da multidão.
Quando do regresso
à terra natal, o Padre Mota encontrou quase a mesma Mossoró que deixara. O
município tinha pouco mais que dezesseis mil habitantes. A cidade possuía
trinta ruas, doze praças, cinco travessas e uma avenida, com 1.872 casas, sendo
840 de tijolos e telha, e 1.032 de taipa. Havia menos de trinta escolas primárias,
um Grupo Escolar e uma escola de nível ginasial – o “colégio das irmãs”, pois o
Santa Luzia estava fechado. As vias públicas eram cobertas com barro e
pedregulhos. Não havia calçamento. Quando chovia, as ruas ficavam lamacentas e
escorregadias. Durante o dia, o sol imperava abrasador. A escuridão das noites
era cortada apenas por poucas lâmpadas de 32 velas, instaladas pela Intendência
Municipal. Para reduzir o breu da
noite e afugentar os mosquitos, em frente das residências eram acesas
fogueiras, misturando-se estrume de gado às brasas.
O PADRE
O novo sacerdote ocupou vários cargos
eclesiásticos: capelão do Colégio Sagrado Coração de Maria, vice-diretor do
Colégio Diocesano Santa Luzia (quando este reabriu suas portas), capelania do
Sagrado Coração de Jesus, responsável pelo ensino da religião para cerca de
1.200 crianças, vigário da Paróquia de Santa Luzia de Mossoró (quando deu
início à construção da Capela de São José) e vigário geral da Diocese, de 1936
até o seu falecimento. Na hierarquia da igreja, o seu posto mais alto foi o de
Monsenhor.
Meses após tomar posse como vigário
da Paróquia de Santa Luzia, o Padre Mota promoveu uma reunião na sacristia da
Capela do Sagrado Coração de Jesus, com um número bem reduzido de pessoas. Além
dele, apenas seu pai, Vicente Ferreira da Mota, e o comerciante e industrial
Miguel Faustino do Monte. O motivo da reunião: a criação da Diocese de Mossoró.
Muitas, muitas outras pessoas se agregaram a esse esforço.
TÍTULO ELEITORAL EXPEDIDO EM NOME
DO PADRE MOTA EM 1956.
Miguel Faustino
ficou encarregado de levar o assunto junto à Diocese de Natal, a qual a
Paróquia de Mossoró estava subordinada. O coronel Mota junto às autoridades,
comerciantes e industriais da cidade, e o Padre Mota, juntamente com o Cônego
Amâncio Ramalho, se encarregariam de arregimentar apoio entre os outros
clérigos locais. Entretanto, tudo isso deveria ser tratado com absoluto sigilo,
para não melindrar as autoridades eclesiásticas da Diocese da capital do
Estado. Se houvesse dúvidas quanto ao segredo, dever-se-ia recorrer ao sigilo
confessional. O Padre Mota reconheceu: “Foi um
recurso maquiavélico, mas a causa era nobre e divina”.
O passo mais importante foi dado por
Miguel Faustino junto ao bispo de Natal, Dom Marcolino Dantas. A ele disse que
estaria disposto a fazer uma generosa contribuição em bens e dinheiro, quando
fosse oportuno transformar a Paróquia de Mossoró em Diocese. Essa contribuição
visaria formar a sua estrutura material, para que ela pudesse funcionar sem
percalços.
O trabalho durou mais de seis anos.
No dia 14.09.1934, o Padre Mota recebeu um telegrama de Dom Marcolino em que
este lhe comunicava a criação da Diocese de Mossoró, através de uma bula papal
emitida por Pio XI, assinada em Roma e datada de 28 de julho daquele ano. No
dia 18 de novembro de 1934, por deferência especial do Bispo de Natal, e em seu
nome, o Padre Luiz Ferreira da Cunha Mota presidiu o ato inaugural da nova
diocese, pela qual tanto lutara. A celebração teve lugar na Catedral de Santa
Luzia e contou com a presença de autoridades e do povo da cidade.
NA
LINHA DE FRENTE DURANTE A BATALHA CONTRA LAMPIÃO
Consta que o ataque de Lampião a
Mossoró teria sido a ele sugerido pelo político cearense Isaias Arruda e pelo
cangaceiro potiguar Massilon Leite Benevides. Como teste, o bando desse último
invadiu com sucesso a cidade de Apodi. Então, vários grupos de cangaceiros se
reuniram para, juntos, atacar Mossoró. O ambiente era confuso e havia mais de
um comando, embora que Virgulino tivesse ascendência sobre todos. Pelo caminho,
assaltavam vilas, povoados e fazendas, roubando, batendo, torturando e fazendo
reféns, ao mesmo tempo em que destruíam, quebravam e incendiavam o patrimônio
daqueles que não eram seus apaniguados ou acólitos. Mas todos esses casos eram
preliminares da grande luta: Mossoró.
A cidade se preparou
para fazer sua defesa. Foram organizadas trincheiras em diversos pontos da
cidade. Segundo o historiador Vingt-un Rosado, no dia 13 de junho de
1927: “Treze horas. O padre Mota […] vai fazer um reconhecimento pela Cidade. Sozinho, desarmado, ei-lo
percorrendo todas as trincheiras. O padre Mota e o cônego Amâncio seguem até a
atual Praça Rodolfo Fernandes. Começara a luta. […] Os dois sacerdotes, com extraordinário sangue frio, estimulam os
combatentes. Eram soldados desarmados, os únicos a percorrerem a Cidade, na
hora difícil. […] Na Rua Idalino Oliveira, uma
bala vinda da Praça da Independência, quase os atingia”.
A luta terminou às cinco horas da
tarde. Nenhum defensor da cidade estava, pelo menos, ferido. Os cangaceiros se
reuniram ao lado de um muro lateral do cemitério. Um dos atacantes fora morto,
seis estavam feridos, quatro em estado grave. Derrotado, Lampião fugiu.
LIÇÕES DE DEMOCRACIA NA CALÇADA DO
PADRE
PADRE MOTA E O SOBRINHO FRANCISCO,
TAMBÉM PREFEITO DE MOSSORÓ.
Muito se fala e pouco se sabe o que
realmente é democracia. Na verdade, a maioria a entende apenas como repetição
do sistema em que vive ou desejam viver. Todavia, o fundamento maior da
democracia é o entendimento republicano de que o indivíduo é “æquabilis in paribus”, igual entre os iguais.
A calçada do vigário era o espaço
mais democrático da cidade. Era uma assembleia de amigos, à moda da democracia
ateniense, onde todos podiam dizer o que quisessem, desde que ouvissem o que os
outros falassem. Tudo de maneira pacífica e civilizadamente, sem discussões
acaloradas. Nada foi planejado, apenas aconteceu. Na Mossoró de antigamente,
cidade ainda pequena, havia o costume das famílias colocarem as cadeiras na
calçada para mitigar o calor com o frescor dos ventos do final do dia. O Padre
Mota também fazia isso e aproveitava o tempo para fumar seus charutos. Os
vizinhos e as pessoas que passavam, sentavam-se para tirar alguns dedos de
prosa. Como eram muitos, criou-se o hábito de todos irem buscar suas cadeiras
na sala de visitas do reverendo e depois deixa-las no mesmo lugar. As mais
ilustres figuras de todas as correntes políticas, inclusive alguns evangélicos,
ateus e comunistas, frequentavam essas reuniões.
Antonio Capistrano,
comunista desde 1960 e ex-vice-prefeito de Mossoró, diz que a calçada do Padre
Mota era “o ponto de encontro de políticos,
intelectuais e comerciantes da cidade, local suprapartidário, democrático, de
papos sobre os diversos assuntos de interesses da coletividade, como também não
deixava de ter as fofocas provincianas. Os que participavam dessas conversas
lembram-se com muita saudade dos finais de tarde da calçada do padre; ele era
espirituoso, piadista e conversador. Padre Mota parece que inspirou Che na sua
famosa frase ‘ser duro sem jamais perder a ternura’. É essa a imagem que tenho
do padre Mota. Severo nas suas convicções, mas extremamente humano nos seus
atos. Isso é, para mim, a razão do bem-querer do povo mossoroense ao seu
vigário geral. Homem pronto a servir, participando ativamente dos problemas da cidade”.
BRINCALHÃO, O PADRE ENSINAVA QUE DEUS
NÃO É TRISTE
Uma das
características do cidadão Luiz Ferreira da Cunha Mota, inseparável de sua
condição de Padre ou Prefeito, era o seu humor ferino, brincalhão, travesso,
com um toque de galhofa e de gracejo fino, sem ser grosseiro, nem nunca
descambar para o impudor ou para a agressividade. O Padre Mota sabia rir e não
gostava de lamúrias, tristezas ou lástimas. Dizia que “Deus não é Triste. Se o fosse, não teria criado o mundo e a vida tão
belos. Não teria feito os passarinhos cantar, o amor dos jovens, o sorriso das
crianças, o sol, a lua, o mar”. O jornalista Lauro da Escóssia reuniu
vários “causos” do padre e publicou um livro com o título de Anedotas do Padre Mota (1986).
Em 1951 aconteceu
um caso emblemático do seu humor sagaz. Manuel Leonardo Nogueira levou uma
filha para ser batizada na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, cujo vigário era
o padre holandês Cornélio Dankers, o qual se recusou a fazer o batizado,
alegando que os padrinhos, João Café Filho e sua esposa, eram comunistas.
Note-se que Café Filho era o vice-presidente da República. Manuel Leonardo
recorreu ao Padre Mota e o batizado foi celebrado na igreja Matriz. Meses
depois, o padre Cornélio falando com o Padre Mota trouxe o assunto do batizado
à conversa, dizendo que não compreendia a atitude do seu colega. O Padre Mota
respondeu: “Cornélio, eu conheço Café. Ele não é
comunista coisa nenhuma. No máximo, é um oportunista. Além do mais, ele estava
longe. E, mesmo se eles [Café Filho e a
esposa] estivessem aqui e fossem comunistas,
eu nunca vi comunista comer criancinha”.
PADRE MESTRE
Luis da Câmara
Cascudo assim escreveu sobre Padre Mota: “Padre
Mestre Luís Mota, Prefeito de Mossoró, gordo, atarracado, baixo, com um passo
airoso de moço-fidalgo. Padre que viveu oito anos de Roma e conheceu três
Papas, que viu a Itália guerreira, bolchevista e fascista, que aprendeu a olhar
o povo como organização e jamais como figura de retórica, aí está tua Mossoró,
um orgulho para os olhos e uma saudade para o coração. Ninguém se iluda com tua
fisionomia espirituosa e plástica, com o humorismo de tuas graças, com o
infalível charuto, com a ponteira incansável de tua bengala negra. Nem pelas
anedotas que contas, pelos fatos que evocas deliciosamente. Tua história vibra
nesse cenário tumultuoso e moderno de existência sem desfalecimento”.
Tribuna do Norte.
Natal, 18 jan 2015.